29.7.08

"Um dia, depois de viver sem tédio muitos iguais, viu-se diferente de si mesma. Estava cansada. Andou de um lado para outro. Ela própria não sabia o que queria. Pôs-se a cantar baixinho, com a boca fechada. Depois cansou-se e passou a pensar em coisas. Mas não o conseguia inteiramente. Dentro de si algo tentava parar. Ficou esperando e nada vinha dela para ela. Vagarosamente entristeceu de uma tristeza insuficiente e por isso duplamente triste. Continuou a andar por vários dias e seus passos soavam como o cair de folhas mortas no chão. Ela mesma estava interiormente forrada de cinzento e nada enxergava em si senão um reflexo, como gotas esbranquiçadas a escorrerem, um reflexo de seu ritmo antigo, agora lento e grosso. Então soube que estava esgotada e pela primeira vez sofreu porque realmente dividira-se em duas, uma parte diante da outra, vigiando-a, desejando coisas que esta não podia mais dar. Na verdade ela sempre fora duas, a que sabia ligeiramente que era e a que era mesmo, profundamente. Agora a que sabia que era trabalhava sozinha, o que significava que aquela mulher estava sendo infeliz e inteligente. Tentou num último esforço inventar alguma coisa, um pensamento, que a distraísse. Inútil. Ela só sabia viver."

[Clarice Lispector]

2 comentários:

T disse...

Tentou num último esforço inventar alguma coisa, um pensamento, que a distraísse. Inútil. Ela só sabia viver.

PUTS!
Clarice, ÍDOLA!
adoroooooooo !


adorei baby
beijo

O Profeta disse...

Majestosa e altivamente submissa
Uma árvore curva-se à lagoa
Encontrei um arco-íris perdido na terra
Este canto não pára até que a alma doa


Convido-te a olhar os sentires que emanam do altar do Sol


Boa semana


Mágico beijo