A intimidade que os andarilhos têm com as árvores , com as águas , com as aves, com as pedras , com a chuva , com os ventos, com o chão e com o sol, dava inveja ao menino que eu era na fazenda .Acho que eu imaginava que o Joaquim Sapé era a própria liberdade. A liberdade chegava de tarde com seus cachorros magros e não amanhecia . Madrugada eu via a liberdade desaparecer na estrada . Foi sempre o meu encantamento ver a liberdade sair com os seus cachorros magros.Quanto mais eu vivesse e eu vivi muito anos ainda naquela fazenda , mais eu via a liberdade , vestida em trapos , passar por mim.A liberdade seriam todos os caminhos que não chegassem . E a liberdade não era todo tempo. Ela era de vez em quando. Ela era de ano em ano, talvez. Mas quando passava Joaquim Sapé eu via a liberdade . Isso ficou em mim pequeno. Ficou em mim homem grande.E ainda esta nos meus oitentas. Encontrei uma vez Joaquim Sapé na beira de um rio ao lado de uma garça. Aqui eu “dormo”, ele disse. Aqui eu pesco. Aqui eu como, ele disse.Este rio escreve torto. Ele disse.E eu acho que todo rio escreve torto. E anda sem rumo também.Acho que os rios parecem comigo. Não sabem aonde vão desembocar.Não sabem quando vão secar .E não sabem quando vão desaparecer . Pode ser na outra curva.Ou pode estar atrás do morro. Na beira destas garças eu esteio . E o caminho que ando também escreve torto. São trilheiros de anta , de emas , de lobos. Eu caminho nos relentos . De manhã o rio esta aberto aos pássaros . E os caminhos se abrem para o perfume do Sol. Os relentos me agasalham . Eu vivo uma ascese de mosca. Ele disse.
[Manoel de Barros]
Um comentário:
Lindo lindo. Penso que liberdade é vivida em cada momento. É só saber olhar.
;D
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